Piodermatite Profunda em Hamster


Hamster ruço, 8 meses
Fêmea inteira

Anamnese:

Apresentava um apetite normal, intenso prurido em várias regiões do corpo e uma massa na região submandibular com pelo menos um mês.

Exame Físico:

Encontrava-se alerta e foi notado um nódulo exuberante na região submandibular, ulcerado e com odor fétido, um mais pequeno num espaço interdigital do membro anterior esquerdo e uma lesão alopécica perianal. À palpação foram detectadas massas de grandes dimensões na região abdominal ventro-caudal, próximas das glândulas mamárias caudais e da vulva.
Piogranulomas multicêntricos

Exames Complementares:

Foi realizado P.A.A.F. nas massas da bochecha, do membro anterior esquerdo e da região perianal, o que permitiu a observação de secreções purulentas sugerindo que as massas correspondiam a abcessos. Tal foi confirmado com a presença de leucócitos e microorganismos bacterianos nas preparações histológicas.

Citologia
  • Massa da região submandibular e interdigital: eritrócitos (e); polimorfonucleares neutrófilos (n); inúmeras formas bacterianas fundamentalmente de morfologia mista (b); células epiteliais de descamação e detritos celulares (ce)
Citologia bochecha
  • Massa da região perianal: população celular rica em fibroblastos (f) sem alterações de malignidade; células polimorfonucleares neutrófilos. O abcesso era composto por uma cápsula de tecido conjuntivo fibroso bem desenvolvida na sequência da formação de tecido de granulação, o que pode sugerir o arrastamento do processo
Citologia perianal

Iniciou-se a terapêutica com a administração de enrofloxacina na consulta (SC), sendo feita a prescrição para casa (solução oral).


Procedimento cirúrgico (9 dias depois):

As lesões e as massas tornaram-se mais extensas e dispersas e o prurido intensificou-se, sendo aconselhada a intervenção cirúrgica com o objectivo de desbridar os tecidos alterados e permitir a avaliação histopatológica das massas, para a qual se realizou uma biopsia da massa submandibular. A amostra era composta por dois fragmentos de 8mm de diâmetro e de coloração acastanhada. No decurso da excisão da massa, é importante ter em conta a vascularização do tecido de granulação.

Uma vez que os roedores não vomitam, o jejum pré-operatório torna-se desnecessário e contra-indicado, dado o seu baixo armazenamento hepático de glicogénio e a sua elevada actividade metabólica. Pode-se fazer uma leve sedação com diazepam IM (3-5 mg/kg) e indução e manutenção com isoflurano (Anderson, 1994), sendo a anestesia volátil a primeira escolha na anestesia de roedores. Após a indução, deve-se verificar a presença de alimento na cavidade oral e nas bochechas, limpando qualquer conteúdo presente com o auxílio de um cotonete, evitando a sua aspiração durante a anestesia.





Histopatologia (massa da região submandibular): Acantose exuberante (espessamento do estrato espinhoso da epiderme) (ac) com lesões de furunculose e foliculite piogranulomatosa; neutrófilos; tecido conjuntivo fibroso (f); e agregados de formas bacterianas (b)

Histopatologia da massa da região sub-mandibular

Tratamento: 

Enrofloxacina IV até alta hospitalar (12 dias após internamento). Enrofloxacina em solução oral para casa (BID).

Evolução:

A afecção progrediu e desenvolveu-se um novo piogranuloma na região submandibular.

Prognóstico:

Na maioria dos casos o prognóstico é desfavorável. Dada a dificuldade de penetração do AB através da cápsula de tecido conjuntivo dos piogranulomas, é muito difícil combater a infecção, à excepção de casos que tratam de massas isoladas passíveis de serem removidas cirurgicamente, onde a eliminação  da fonte de contaminação primária poderá ser possível.

Debate:

Para além do grau de dispersão e profundidade das massas, o aspecto das lesões é marcadamente distinto daquele característico de uma sarna demodécica, em que se obsevam lesões cutâneas secas e escamosas.  Os hamsters podem ter piodermatites bacterianas e abcessos cutâneos como consequência de traumatismos de qualquer ordem (como sejam os provocados por objectos, jaulas ou por lutas com outros animais), asssociados à entrada de várias bactérias: Staphylococcus aureus (mais comum), Streptococcus spp., Actinomyces bovis spp., Pasteurella pneumotropica e Mycobacterium spp. Assim, é recomendada a lavagem periódica das jaulas com água e detergente e emersão em solução de hipoclorito de sódio 1-2% durante 10 minutos (como alternativa, em jaulas de metal, pode-se utilizar um forno de Pasteur, dado o carácter corrosivo do hipoclorito de sódio). Os bebedouros também devem ser lavados regularmente para se evitar a proliferação de microorganismos. Para evitar a disseminação do agente etiológico, é também importante evitar o contacto com outros animais.

Clinicamente, verifica-se uma piodermatite (principalmente na região da cabeça, com áreas de exsudação, alopécia e escoriação) e linfadenite cervical. As bolsas podem infectar, bem como as glândulas hipersecretoras do flanco em machos.

O tratamento inclui a correcção da causa de infecção bacteriana (possíveis feridas) e drenagem ou, preferível, remoção cirúrgica dos abcessos. Topicamente, podem-se aplicar anti-sépticos ou antibióticos sob a forma de pomada em abcessos abertos, após a remoção de todo o conteúdo purulento. Para abcessos íntegros/fechados, deve-se fazer antibioterapia parenteral (após excisão, se possível). Em infecções das glândulas hipersecretoras do flanco, deve-se cortar e limpar o pelo circundante e fornecer antibióticos e corticosteróides. A castração pode diminuir a sua actividade secretora. A escolha do antibioterápico deve-se basear num TSA. O diagnóstico etiológico é possível com isolamento e cultivo em condições de aerobiose e anaerobiose.

Apesar da medicação com enrofloxacina, observou-se uma progressão da doença, o que pode ser devido à sua natureza multifocal, que torna inviável a descapsulação e sutura individual de cada massa para remoção do conteúdo purulento.


Referências:

1) BANKS, R. E., [et al.], Exotic Small Mammal Care and Husbandry. 1ed. Iowa: Blackwell Publishing, 2010
2) KAHN, C. M., Manual Merck de Veterinaria – Volume II. 6ed. Barcelona: Editorial Océano, 2007
3) Longley, L. A., Anaesthesia of Exotic Pets. 1 ed. Londres: Elsevier Saunders, 2008
4) MITCHELL, M. A., TULLY JR., T. N., Manual of Exotic Pet Practice. St. Louis: Elsevier Saunders, 2009
5) PATERSON, S., Skin Diseases of Exotic Pets. 1 ed. Iowa: Blackwell Publishing, 2006
6) PIRES, M. A., TRAVASSOS, F. S., GÄRTNER, F., Atlas de Patologia Veterinária. Lisboa: Lidel, 2004

Autor: Monica Nunes

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