Piogranuloma Intestinal


   Apresentou-se para consulta um felídeo de raça europeu comum de 11 anos, macho castrado, vacinado e desparasitado, deprimido, com diarreia há 3 dias, vómitos mucosos e anorexia total desde o presente dia. O animal encontrava-se a receber medicação tópica com Dexametasona e Brinzolamida para tratamento de glaucoma no olho direito. Sabe-se que o animal mantém contacto com outros felídeos acolhidos da rua.

Exame Físico:
Temperatura: 38,2 ºC
Peso: 6,3 Kg
Obeso, palpação de massa no abdómen médio de consistência dura, desidratação de 5%.

Análises:
Bioquímicas: Valores de ALT e ureia muito elevados.
Hemograma: Trombocitopénia.

Exames Imagiológicos:
  • Radiografia (incidência LL): Massa radiopaca ventral aos rins e uma radiopacidade abdominal aumentada. 
Rx LL: Massa radiopaca ventral aos rins
  • Ecografia: Massa de parênquima heterogéneo hipoecogénico com cerca de 4-5 cm de diâmetro, caudal ao estômago. 

    Diagnóstico Diferencial (Abcesso; neoplasia) 

       Foi aconselhada a realização de uma laparotomia exploratória, pelo que ficou hospitalizado nesse dia, tendo sido submetido à cirurgia no dia seguinte. Durante a cirurgia observou-se uma linfoadenomegália dos nódulos abdominais, sobretudo dos linfonodos mesentéricos que se encontraram tumefactos, e um edema do tracto gastrointestinal, concordante com a elevada radiopacidade abdominal.

    Linfoadenomegália dos linfonodos mesentéricos

    No período intra-operatório foi realizada uma biópsia e uma PAAF de linfonodos mesentéricos. 
    • Achados citológicos: Identificação de glóbulos vermelhos e células inflamatórias: polimofonucleares neutrófilos e, em menor quantidade, linfócitos e macrófagos. 
      PAAF e esfregaço de nódulo mesentérico
    • Achados Histológicos: Lesões piogranulomatosas com envolvimento do mesentério. Não foi observada a presença de qualquer agente bacteriano. Assim permitiu-se descartar a hipótese de processos neoplásicos ou abcessos sépticos. 
    • Imunohistoquímica anti-PIF (pesquisa de antigénio no citoplasma de macrófagos): aguardam-se resultados.


    Tratamento durante a hospitalização:


    Início:
    Biópsia de nódulos mesentéricosMetoclopramida SC, TID;
    Ampicilina IV, TID;
    Brinzolamida Tópico (OD), BID;
    Dexametasona Tópico (OD), BID;
    Nutriplus gel P.O, SID.

    6 dias após Cx:
    Maropitant SC, SID;
    Metronidazol IV, BID;
    Metilprednisolona 40mg IV, BID;
    Ranitidina IM, BID;

    Tratamento para casa (alta hospitalar 12 dias após Cx)
    Prednisolona (BID) e Sucralfato (BID).


    Evolução (3 dias após alta hospitalar)

    Temperatura
    : 38,1ºC
    Peso: 5,9 Kg
    Ausência de vómitos com fezes líquidas e amareladas, com o apetite e actividade normais.  As mucosas encontraram-se ligeiramente pálidas, e a massa abdominal não apresentou alterações à palpação. Foi introduzido metronidazol (Bid 10 dias) para controlo da diarreia.
    O resultado da imunohistoquímica foi negativo para PIF.


    Debate

        Actualmente o animal apresenta-se estável, com fezes pastosas e apetite normalizado. O diagnóstico presuntivo é de Peritonite Infecciosa Felina (PIF), forma seca (não efusiva), uma doença multisistémica imuno-mediada associada à disseminação do coronavirus felino (FCoV). Os animais com esta patologia apresentam frequentemente febre, anorexia, hipertrofia dos linfonodos mesentéricos, irregularidades nodulares nas vísceras abdominais e lesões oculares. Uma forma não efusiva pode evoluir para PIF efusiva, caracterizada por uma vasta destruição tecidual que conduz a um aumento da permeabilidade vascular e consequentemente a ascite e/ou efusões torácicas. Esta sintomatologia de evolução rápida é claramente distinta da forma seca, e pode ocorrer primariamente a uma generalização da forma entérica.
        Apesar das análises serológicas serem positivas (título 1/200), estes resultados apenas nos informam que o animal teve em contacto com o coronavírus felino no entanto, nem todos os animais infectados com este vírus desenvolvem doença clínica, podendo este provocar apenas uma doença pouco severa, localizada (forma entérica), manifestada normalmente por sinais frustres respiratórios (inicialmente) ou de enterite (diarreia e/ ou vómitos). Apenas 5 a 10% dos gatos positivos para coronavírus desenvolvem PIF (forma generalizada).
        O exame histológico e a imunohistoquímica anti-PIF para o antigénio coronavírus felino são os procedimentos de eleição para o diagnóstico de PIF, graças ao seu alto grau de especificidade. A detecção de antigénio em células infectadas nas lesões é confirmatória da patologia. No entanto a prova imunohistoquímica a partir das amostras recolhidas obteve um resultado negativo, talvez derivado do facto de a população de macrófagos nas lâminas obtidas, não ser muito elevada. Caso seja possível, aconselha-se uma contra-análise. Apesar da alta especificidade destes testes, pode também recorrer-se a um perfil analítico sérico através de electroforese, procurando revelar concentrações séricas de proteína total elevadas, devido ao elevado teor de globulina (alterações de ocorrência comum em PIF). No entanto, mesmo com concentrações de proteína total normais, pode ser evidente uma diminuição da relação albumina-globulina, conseguindo-se um diagnóstico mais provável de PIF quando esta relação se aproxima de 0,5. Este electroproteinograma demonstra frequentemente um aumento das γ globulinas e das α2 globulinas assim como da α1 - glicoproteina ácida, em gatos infectados com PIF.
        No caso em questão, o felídeo apresentou uma concentração sérica de proteínas totais normal, com um aumento das α2 globulinas. No entanto a relação albumina-globulina foi de 0,94, não permitindo assim retirar conclusões definitivas. Outra possível técnica para diagnóstico é a imunofenotipagem que, em gatos infectados com PIF, revela uma particular depleção de linfócitos T. Uma contagem de linfócitos T normal tem um valor preditivo negativo que aponta para um caso de PIF.

        A terapêutica actualmente instituída inclui Prednisolona e Metronidazol (com manutenção da medicação para glaucoma). O tratamento de PIF tem em vista 2 objectivos essenciais - a supressão (através da administração de fármacos imunosupressores como a prednisolona ou a ciclofosfamida) ou a modulação da resposta imunitária (através da admnistração de interferão, tentando-se assim estimular a resposta imunitária mediada por células). A prednisolona, embora não permita a cura, atrasa a progressão da doença.
        Recentemente, um novo fármaco, um poliprenil imunoestimulante, foi testado em três gatos com a forma seca de PIF, tendo demonstrado eficácia no prolongamento de vida e alívio dos sintomas. Este composto baseia-se na regulação ascendente da expressão do mRNA dos linfócitos T helper, responsáveis por uma imunidade mediada por células eficaz. Estão ainda em curso ensaios para avaliar o potencial deste fármaco no tratamento de PIF.


    Referências

    1) Kennedy, M. A., (2010). Actualização sobre a peritonite infecciosa dos felinos. Veterinary Medicine. 67: 65-74;
    2) Jones, T. (2009). Practical Tips For Diagnosing Fip. Proceedings of the 34th World Small Animal Veterinary Congress, São Paulo, Brazil.
    3) Greene, C.E. (2006). Infectious Diseases of the Dog and Cat, 3rd ed. WB Saunders, CO.


    Autora: Daniela Silva

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